Tarifaço de Trump já começa a suspender operações de fusões e aquisições no Brasil
- Seneca Evercore | Notícias
- 4 de ago.
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Atualizado: há 6 dias
(ESTADÃO) Negócios que tinham por objetivo fazer do Brasil polo de exportação ou que usam insumos importados estão entre os mais afetados
Além das exportações e do faturamento das empresas brasileiras, o tarifaço de Donald Trump também tem derrubado negócios com interessados em fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) no País. Parte das operações, sobretudo aquelas que tinham como objetivo tornar o Brasil uma plataforma exportadora − algo comum na área −, tem sido suspensa, até que o cenário se torne mais definido.
“Negócios em setores que dependem de exportação ou de insumos importados e que estão na tarifa retaliatória estão sendo temporariamente suspensos”, diz Isabela Xavier, sócia do escritório de advocacia BVA - Barreto Veiga Advogados. “Alguns têm voltado para serem redesenhados e, se a nova tarifa mostrar ser insustentável erguer uma planta de exportação para o mercado americano, provavelmente o negócio não vai se concretizar.”
Os casos se multiplicam em escritórios de advocacia e butiques especializadas em fusões e aquisições. No BVA, um cliente europeu negociava a compra de uma companhia brasileira da área de máquinas e equipamentos, que vende exclusivamente ao mercado nacional. A ideia era transformar a fábrica em polo exportador para os EUA. O negócio foi suspenso logo que a ameaça do tarifaço foi feita, no início de julho, e se mantém nessa situação, até que a tarifa sobre o produto fique totalmente clara.
Na Brasilpar, consultoria especializada em transações com empresas de pequeno e médio porte, que faturam entre R$ 100 milhões e R$ 500 milhões, a situação é parecida. No primeiro semestre, a empresa fechou quatro negócios, sendo que três tinham estrangeiros na ponta compradora ou vendedora. Agora, pelo menos duas operações que visavam a exportações entraram em compasso de espera.
“O Brasil estava praticamente sozinho na festa das aquisições internacionais, já que China e Rússia entraram em rota de colisão com os Estados Unidos”, diz Tom Waslander, sócio da Brasilpar. “Mas negócios baseados em projetos de exportação têm sido suspensos, pelo menos temporariamente.”
Um dos negócios na Brasilpar, no setor de autopeças, tinha comprador norte-americano com proposta firme na mesa. Outro, tinha alguns interessados. Ambos entraram em compasso de espera e, no primeiro caso, Waslander acredita que só voltará às negociações no ano que vem.
Parte da Imap, rede com cerca de 500 sócios especializados em M&A em 50 países, a Brasilpar continua vendo o Brasil com ativos baratos e com um mercado interno de 200 milhões de consumidores interessantíssimo para aquisições. “Há muito interesse e muitas consultas de estrangeiros”, diz ele.
Prova disso, afirma, são os negócios fechados no primeiro semestre. Num deles, a japonesa Shinagawa Refractories fez sua segunda aquisição no Brasil, com a compra da empresa de serviços industriais Reframax, por R$ 600 milhões. Já a espanhola Tiba adquiriu a empresa de logística SMX e os fundadores da Benefício Fácil venderam a empresa para a Pluxee (antiga Sodexo), com envolvimento dos controladores franceses.
“Temos, historicamente, de 25 a 30 mandatos sendo negociados simultaneamente e muitos que não envolvem exportações continuam andando”, diz ele. “O impacto em número de transações como um todo será pequeno.”
Fundos de private equity também estão reticentes
Daniel Wainstein, sócio-fundador da assessoria financeira Sêneca Evercore, porém, afirma que o nível de mortalidade das transações tem sido especialmente alto este ano. “Dependendo do setor, temos recomendado a nossos clientes que não saiam a mercado agora”, diz ele. “Aos que já estão em andamento, temos dito para demorar um pouco mais para pedir propostas, para deixar o mercado se tornar mais construtivo e com menos incerteza.”
Isso porque, diz ele, além das exportadoras, o câmbio − e o preço dos ativos − também deve ser impactado com as medidas de Trump. “Se houver uma eventual desvalorização do real, teremos pressão inflacionária com importações mais caras e o BC (Banco Central) vai ter de aumentar juros”, diz Wainstein. “Muitas empresas, que já estavam em dificuldades, vão ficar ainda mais sufocadas.”
Segundo ele, há setores que não foram penalizados e nos quais há grande interesse, como energia alternativa, infraestrutura, óleo e gás e serviços financeiros. “Mas em cenários nos quais as empresas sofrem mais diretamente, seja pela taxa de juros, seja pelo câmbio, seja pela exportação, infelizmente isso tem levado à mortalidade bem maior de transações do que historicamente”, afirma. “Cabe ao assessor (na transação) neste momento evitar acelerar para não acabar de vez com o negócio.”
Além disso, diz ele, além das companhias interessadas em negócios no País em si terem puxado o freio, os fundos de private equity (que adquirem participação em empresas e são importantes investidores em M&A) também estão mais reticentes. “Se houver uma desvalorização cambial, eles não conseguirão o retorno em dólares que precisam para seus investidores e controladores”, diz. “São dois bolsos importantes que estão fechados.”
Essa tendência vem sendo percebida pelo mundo todo, e foi notada já no primeiro trimestre, quando as tarifas de Trump ainda estavam mais no campo das ameaças. O investimento global em private equity caiu 4%, passando de US$ 463,8 bilhões no quarto trimestre do ano passado para US$ 444,9 bilhões nos primeiros três meses deste ano, segundo pesquisa realizada pela consultoria KPMG.
O número de transações também registrou recuo de 24%, caindo de 4.958 para 3.762 no mesmo período. Para os autores do estudo, a perda de atividade aconteceu por conta das preocupações com o aumento das tarifas internacionais, as novas políticas de comércio e as tensões geopolíticas.
No Brasil, os números mostram o que vem sendo visto na prática. Até março, as operações de M&A no País superaram em número as transações de 2024, mostra levantamento da plataforma Kroll Corporate Finance. Desde que os ataques de Trump se intensificaram, elas têm caído mês a mês. Com isso, enquanto no primeiro semestre do ano passado o Brasil registrou 788 transações, no mesmo período deste ano foram 733, com queda de quase 7%.
Publicado em 04/08/2025 e disponível em: https://www.estadao.com.br/economia/fusoes-aquisicoes-caem-impacto-trump/.
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